Marta Rodrigues: Uma Presidente com Alma Voluntária

marta rodrigues presidente com alma voluntaria

“Tudo o que fazemos é pelas nossas crianças — os nossos “órfãos de pais vivos”, como costumo dizer. Porque são muitos os jovens que dependem destas estruturas para se sentirem vistos, ouvidos e apoiados.”

Foi ainda adolescente que chegou a São Brás de Alportel, vinda de Lisboa, acompanhada pelos pais. O regresso às origens familiares marcou o início de um percurso que hoje cruza a maternidade, o associativismo e uma entrega total à causa pública. Aos 20 anos nasceu o seu primeiro filho, cedo demais para alguns, na hora certa para si. Hoje assume com orgulho o cargo de Presidente da Associação de Pais da Escola Secundária José Belchior Viegas e da Federação Regional de Associações de Pais do Algarve (FRAP Algarve), e continua a conciliar essa responsabilidade com uma vida pessoal preenchida — como mãe, e tia e profissional — uma dedicação sem limites ao movimento associativo parental.

Nesta conversa, fala-nos com honestidade sobre o peso (e o orgulho) da missão que abraçou, a falta de reconhecimento do trabalho voluntário, os desafios de representar centenas de famílias algarvias, e sobretudo, a importância de ouvir os jovens — aqueles que vivem, todos os dias, a realidade das escolas.

Porque, como sublinha, “quando fazemos a diferença na vida de alguém, mesmo que seja de uma só pessoa, tudo vale a pena”.

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ENTREVISTA

Podes contar-nos um pouco sobre ti? Onde nasceste e como tem sido a tua ligação a São Brás de Alportel?

Vim para São Brás de Alportel com apenas 16 anos, acompanhada pelos meus pais. Os meus avós são sambrasenses e então foi o motivo para virmos para cá. Até então, a minha vida decorrerá em Lisboa, onde cresci com os meus pais e o meu irmão. A mudança para o Algarve marcou uma nova etapa, repleta de desafios e oportunidades. Aqui concluí o meu percurso académico e, pouco depois, concretizei um dos maiores sonhos da minha vida: ser mãe, aos 20 anos, muito jovem, mas com uma enorme vontade de construir o meu próprio caminho.

Mas havia esse sonho de ser mãe jovem?

Aos 20 anos nasceu a minha Carolina, e três anos depois chegou a Beatriz, completando a nossa família. Contudo, a vida é sempre surpreendente. Já muitos anos depois, quando já não previa novas aventuras na maternidade, aos 38 anos, chegou inesperadamente o meu Rodrigo, que veio dar um novo brilho e ainda mais alegria à nossa história familiar.

O que te motivou a envolveres-te no movimento associativo de pais?

Foi depois do nascimento do meu filho que surge a vontade de integrar o Movimento Associativo Parental através da Associação de Pais AEJBV. Pensei muito, ponderei, mas avancei e ainda bem. Fomos eleitos no final do ano de 2019, passado pouco tempo, vem o COVID. O que tornou o desafio ainda maior. Mas como não sou de estar quieta comecei logo a pensar o que poderia fazer através da internet. 

Fiz vários workshops, formações, webinars, começaram aqui os primeiros contactos com a CONFAP, que é a Confederação Nacional de Associações de Pais, CPCJ, abracei o CLAS. E, neste aspecto, acho que foi aí que se deu o clique! Eu posso fazer mais! E algo diferente.

E em que contexto surge a Federação Regional de Associações de Pais do Algarve?

A FRAP nasceu em S. Brás de Alportel, ao dia 27 de julho de 2024, fruto da perseverança e resiliência das associações de pais e das federações concelhias, que, nos últimos dois anos, se uniram sob o movimento informal “MAP Algarve”. Este grupo tem trabalhado incansavelmente para melhorar a educação na região, demonstrando a capacidade de enfrentar desafios e superar obstáculos, mesmo quando as adversidades são recorrentes e inesperadas.

Com a fundação da FRAP Algarve, os seus membros comprometem-se a promover uma educação de qualidade e o bem-estar das crianças em todos os territórios educativos do Algarve. A perseverança e a resiliência continuarão a ser características fundamentais, permitindo à nova federação enfrentar desafios com confiança, alcançar metas e adaptar-se às mudanças necessárias.

É com muito orgulho que sou Presidente da FRAP que desenvolve um papel crucial na defesa dos direitos dos pais e na promoção de uma educação de qualidade, trabalhando em colaboração com escolas, autoridades educacionais e outros parceiros.

Quais são os maiores desafios dentro do movimento parental?

Ainda há uma enorme falta de apoio e de verdadeira valorização do que é este trabalho. Somos todos voluntários — pessoas que dedicam o seu tempo, a sua energia e, muitas vezes, o seu coração, movidas apenas pela vontade de fazer a diferença. Trabalhamos por carolice, com paixão.

Quando tudo corre bem, ótimo. Mas quando algo falha, é sempre o Presidente — ou a Presidente — que é chamado, que responde, que assume. Tudo o que fazemos é pelas nossas crianças — os nossos “órfãos de pais vivos”, como costumo dizer. Porque são muitos os jovens que dependem destas estruturas para se sentirem vistos, ouvidos e apoiados.

Tenho a firme convicção de que somos os voluntários mais profissionais do movimento associativo. E, muitas vezes, nem temos noção da verdadeira dimensão do nosso impacto. Somos, na verdade, o maior movimento associativo que Portugal tem. Falta-nos, sim, mais união. É essa a minha opinião. Porque juntos, seríamos ainda mais fortes. E, acima de tudo, conseguiríamos chegar mais longe por aqueles que mais precisam de nós.

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És “Bi- Presidente”, Profissional, Mãe e Tia a tempo inteiro, Mulher. Como é que consegues conciliar todas estas tarefas?

É verdade. Neste momento, tenho três crianças ao meu encargo — dos 10 aos 13 anos — naquela fase especial da vida, cheia de descobertas e energia. Mas a verdade é que são os meus grandes companheiros nestes desafios do associativismo.

Temos uma gestão rigorosa, uma agenda bem preenchida, e até uma ordem de trabalhos que nos ajuda a equilibrar tudo, incluindo o tempo precioso em família. Sinto-me verdadeiramente sortuda, porque as minhas sobrinhas e o meu filho gostam de participar no movimento associativo juvenil — algo que, honestamente, faz muita falta nos dias de hoje.

E para além da minha própria família, há também outra “família” alargada que tento acompanhar: cerca de 142000 mil famílias no Algarve. Não é uma missão fácil, mas é uma responsabilidade que abraço com empenho e sentido de serviço.

Não é uma mochila pesada?

É, de facto, uma mochila pesada — mas é uma que levo com imenso orgulho. E a camisola que visto representa muito mais do que uma função: é o reflexo do meu compromisso com as causas em que verdadeiramente acredito.

Se me perguntares: “Mas não custa, às vezes?” Custa, sim. E há momentos em que a vontade de desistir bate à porta. Mas depois, olho para trás e vejo quantas famílias já foram apoiadas, quantas vidas foram orientadas no momento certo — e percebo que não há como recuar. Porque quando fazemos a diferença na vida de alguém, mesmo que seja de uma só pessoa, tudo vale a pena.

O que é que consideras que tens feito de diferente enquanto Presidente?

Ouvir os alunos. Sempre senti que, muitas vezes, os nossos jovens não são verdadeiramente ouvidos. E, no entanto, são eles que vivem a escola de forma mais intensa, mais contínua — muitas vezes, até mais do que os próprios professores ou assistentes operacionais. Se não são eles os primeiros a saber o que funciona ou não no seu quotidiano escolar, quem somos nós, enquanto pais, para decidir, sozinhos, o que é melhor para eles?

É fundamental reconhecermos que os alunos têm muito para nos ensinar. Felizmente, já existem iniciativas que procuram dar-lhes essa voz — por exemplo, já participaram em programas de rádio, e a partir de setembro terão uma rúbrica própria, chamada Rádio Jovem, onde irão debater diversos temas e problemáticas que consideram relevantes.

E a verdade é que os alunos querem participar. Gostam de se envolver, de expressar as suas ideias — não para apontar dedos, mas para exercer a sua cidadania de forma construtiva. Sentem a necessidade de falar, de serem escutados. E isso só acontece quando lhes damos liberdade para se expressarem, num ambiente onde se sintam seguros, respeitados e valorizados pelas suas opiniões.

In jornal O Sambrasense a 20 de julho de 2025

marta rodrigues in o sambrasense

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