Marta Rodrigues: Uma Presidente com Alma Voluntária

marta rodrigues presidente com alma voluntaria

“Tudo o que fazemos é pelas nossas crianças — os nossos “órfãos de pais vivos”, como costumo dizer. Porque são muitos os jovens que dependem destas estruturas para se sentirem vistos, ouvidos e apoiados.”

Foi ainda adolescente que chegou a São Brás de Alportel, vinda de Lisboa, acompanhada pelos pais. O regresso às origens familiares marcou o início de um percurso que hoje cruza a maternidade, o associativismo e uma entrega total à causa pública. Aos 20 anos nasceu o seu primeiro filho, cedo demais para alguns, na hora certa para si. Hoje assume com orgulho o cargo de Presidente da Associação de Pais da Escola Secundária José Belchior Viegas e da Federação Regional de Associações de Pais do Algarve (FRAP Algarve), e continua a conciliar essa responsabilidade com uma vida pessoal preenchida — como mãe, e tia e profissional — uma dedicação sem limites ao movimento associativo parental.

Nesta conversa, fala-nos com honestidade sobre o peso (e o orgulho) da missão que abraçou, a falta de reconhecimento do trabalho voluntário, os desafios de representar centenas de famílias algarvias, e sobretudo, a importância de ouvir os jovens — aqueles que vivem, todos os dias, a realidade das escolas.

Porque, como sublinha, “quando fazemos a diferença na vida de alguém, mesmo que seja de uma só pessoa, tudo vale a pena”.

marta rodrigues presidente com alma voluntaria

ENTREVISTA

Pode contar-nos um pouco sobre si? Incluindo se conhece bem o sítio onde hoje é o seu lar: São Brás de Alportel?

O meu nome é Marta Rodrigues e sou presidente da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Secundária José Belchior Viegas e da FRAP Algarve. Vim de Lisboa para São Brás de Alportel com 15 anos. Por motivos profissionais, os meus pais decidiram mudar-se para cá e, como filha única, vim com eles. Fiz o secundário aqui e depois fui para Faro tirar o curso de técnico de análises clínicas. Fiz estágio no Hospital de Faro e trabalhei cerca de um ano no Hospital de Portimão. Depois, mudei de área, fui trabalhar para a área da saúde mental, e estou nessa área há quase 20 anos.

O que a motivou a envolver-se no movimento associativo parental?

O envolvimento foi através da escola, quando o meu filho entrou para o 1.º ciclo. Fui convidada a participar numa reunião da associação de pais da altura. Fui percebendo que fazia sentido continuar a acompanhar o percurso escolar dos meus filhos. Entrei na associação de pais, depois fui para o conselho geral e, com o tempo, acabei por assumir a presidência. Já passaram quase 17 anos.

Em que contexto surge a Federação Regional de Associações de Pais do Algarve (FRAP Algarve)?

Foi-me lançada uma semente, por uma mãe de Albufeira, na altura presidente do agrupamento da escola, que me desafiou a participar num encontro da FRAP Algarve. Comecei a participar em reuniões, ainda como presidente da associação de pais de São Brás, até que, na altura, o presidente da FRAP, o Rui Cardoso, me convidou para integrar a lista, como vice-presidente. Posteriormente, por motivos pessoais, o Rui teve de se afastar. Acabei por assumir a presidência da FRAP Algarve.

Quais são os maiores desafios dentro do movimento associativo parental?

São vários. Desde logo, o reconhecimento do papel do movimento parental. Ainda existe a ideia de que estas pessoas estão nas associações por “tacho” ou porque “não têm mais nada que fazer”. A maioria das pessoas que conheço que está envolvida no movimento parental são pessoas com vida pessoal e profissional ativa, que dão muito do seu tempo livre — às vezes o único tempo livre — para participar em reuniões, ouvir outros pais e trabalhar por um bem comum.

Outro desafio é a escuta ativa dos jovens. Muitos jovens não são ouvidos, nem em casa, nem na escola. O movimento parental precisa de dar voz a estes jovens e de lutar por políticas educativas mais justas e inclusivas.

marta rodrigues presidente com alma voluntaria

És “Bi – Presidente”, Profissional, Mãe a tempo inteiro, Mulher. Como é que consegues conciliar todas estas tarefas?

Verdade. Neste momento, tenho dois filhos: o mais velho com 26 anos e o mais novo com 13 anos. Ambos estudaram sempre em escolas públicas. E ser mãe é a minha prioridade. Mas há uma missão que sinto que é maior do que eu, e que tem de ser cumprida. Acredito no associativismo e acredito que é possível mudar as coisas. É difícil, claro. Há momentos em que há cansaço físico, frustração, desilusão. Mas há também muitos momentos de amor, solidariedade, encontros felizes.

Tenho uma família que me apoia muito, em especial o meu companheiro. Ele é o meu pilar, o meu chão. É quem me diz: “vai, eu fico com eles”. E isso faz toda a diferença. O resto é uma questão de organização e força de vontade.

Não é uma mochila pesada?

É. É dura, muito dura, muitas vezes — mas é um fardo que levo com imenso orgulho. É um caminho que vejo representar muito mais do que apenas o percurso de uma mãe ou de um pai. É a certeza de que o que fazemos pode mudar o curso da vida de um jovem, de um estudante, de uma criança. E isso é poderoso. “Não são custos, são lutas”. Custas, sim. E há momentos em que apetece de desistir, bater à porta. Mas depois olha-se para aquilo que já conseguimos, para aqueles miúdos que já foram ouvidos, que foram acolhidos e que nos dizem “obrigado” no final do ano. Percebo então que tudo vale a pena. Porque se mudarmos a vida de uma só pessoa, já ganhámos.

O que é que consideras que tens feito de diferente enquanto Presidente?

A escuta ativa dos jovens, sem dúvida. Eles precisam de ser ouvidos. Precisam de alguém que os defenda. Ouvimos os alunos, os conselhos de turma, os pais, e tentamos intervir com o objetivo de melhorar o que está mal. Também temos dado mais visibilidade à FRAP Algarve e ao movimento associativo parental, com presença em reuniões, eventos e feiras, onde mostramos o trabalho que fazemos. Isto é importante para os pais perceberem que não estão sozinhos. Que há um grupo de pessoas que luta por eles.

É fundamental o reconhecimento de que alguns, infelizmente, não têm voz. Há alunos em muito poucas escolas, especialmente no secundário, que se sentem ouvidos ou compreendidos. Por isso é essencial estar presente. Já por exemplo em alguns programas de rádio e, a partir de setembro teremos uma rubrica mensal no canal Rádio Alvor que irá abordar diferentes temas e problemáticas com esses alunos.

E a verdade é que se queremos que os pais participem, é preciso dar-lhes voz, acolhê-los, respeitá-los. Se não houver escuta ativa, não há envolvimento. Se continuarmos a ser associações invisíveis, sem presença digital, sem comunicação, sem diálogo, sem liberdade e sem verdade, seremos apenas voluntários, e não verdadeiros representantes dos pais e dos alunos.

In jornal O Sambrasense a 20 de julho de 2025

marta rodrigues in o sambrasense
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